A família dos discursos, hoje, não é a nossa família da prática. Facilmente podemos pensar em diversos motivos para que estejam acontecendo tantas mudanças em sua estrutura. O modelo patriarcal de família está decaindo, dando lugar à mulher como chefe de família, juntamente com a estrutura de famílias reconstruídas, muitas vezes monoparentais e, inclusive, famílias sem filhos. Tais fatos se devem ao já avançado processo de urbanização, à incorporação intensa da mulher no mercado de trabalho, e à diminuição do número de integrantes em cada família.
Os filhos, que em outras épocas se faziam numerosos, hoje se encontram reduzidos a três, dois e, em muitos casos, são únicos. Com as fratrias cada vez mais reduzidas há uma maior intensidade da relação, com uma maior interdependência e com uma forte relação de suporte em situações de crise, como em casos de separação dos pais, muito frequente nos dias de hoje. Assim, os irmãos tendem a se apoiar, em situações turbulentas ou não, enxergando um ao outro como um porto seguro, como um ponto de estabilidade.
Diversos autores entendem a relação entre irmãos como a mais duradoura de nossas vidas, uma vez que estão nela do seu início ao seu fim – diferentemente dos pais, que se vão antes, e dos cônjuges, que chegam depois. Desta forma, é difícil compreender o porquê esse estudo é tão pouco explorado, pois os irmãos são apenas citados em alguns textos e tratados como se fossem apenas aqueles com quem dividimos os pais, a casa, e a atenção.
É importante lembrar que, a fratria, como toda relação afetiva, é passível de mudança. Sua formação se inicia na infância, passando por drásticas transformações na adolescência, para finalmente chegar a um equilíbrio na idade adulta, necessitando apenas de manutenções na velhice.
Um fator importante e que interfere na relação, é a geração: entre irmãos, a simetria possibilita uma maior liberdade e acaba por facilitar a convivência e o diálogo, o que se coloca oposto a uma relação pai-filho, onde a situação é assimétrica e há uma hierarquia clara entre os membros. Durante a meia infância e a pré-adolescência o vínculo entre os irmãos mantém certo equilíbrio. Na adolescência, porém, a relação sofre grandes alterações em decorrência do período que é, por si só, turbulento. As mudanças no relacionamento fraterno se dão ou por afastamento, ou por aproximação; aqui, novas identificações são criadas e, por este motivo, as diferenças afastam os irmãos, enquanto que as semelhanças entres eles os aproximam, o que vai desenhar, de fato, o vínculo entre eles.
Outro aspecto importante, já na fratria adulta, é que ambos podem suportar-se. Se, na infância, era o irmão mais velho que servia de base segura ao mais novo, quando amadurecidos, ambos podem fazer o papel daquele que cuida e daquele que é cuidado.
Ao contrário do que diz nosso pré-conceito, não é só a ausência ou a falha parental que favorecem a formação do vínculo fraterno; questões como o sexo, o acesso de um a outro e a diferença de idade entre eles influenciam na qualidade da relação.
A experiência que pai e mãe têm no assunto é outro ponto importante para o desenvolvimento da relação fraterna, pois essas vivências serão projetadas aos filhos e à relação entre eles. São projetadas tanto as relações que cada um teve com seus irmãos, como as fantasias que tiveram se forem filhos únicos; dessa forma, os medos e as expectativas acabam por interferir no modo com que pais e filhos lidam com a relação fraterna na família.
A relação entre os irmãos se coloca como extremamente benéfica ao desenvolvimento, tanto daqueles que dividem a fratria, como para a família a qual pertencem. Para os pais que se permitem, a relação de irmandade entre seus filhos é fonte de conhecimento, assim como ponto de equilíbrio, tanto para a família como uma unidade, como para os pais individualmente.
Alguns autores citam a Função Fraterna como sendo complementar à função dos pais, ou seja, a perda do poder concentrado no pai ou na mãe. Assim, os irmãos criam novas formas de alianças, onde a fratria agrega valores e conceitos à educação dos pais e, consequentemente, ao desenvolvimento de cada um. Os irmãos se tornam referências concretas de aliança, afeto e cumplicidade, que se colocam mais seguros do que os com adultos.
Existem algumas pesquisas com entrevistas com crianças, que falam sobre seus irmãos. Durante a minha formação em Psicologia tive a oportunidade de pesquisar sobre a relação, mas com adultos, irmãos já crescidos! Os resultados que obtive, ainda que de uma amostra pequena, foram muito interessantes. Por isso, gostaria de compartilhar com vocês, no próximo texto! (Leia aqui)
Referências:
CARVALHO, A. M. A.; MOREIRA, L. V. de C.; RABINOVICH, E. P. Olhares de Crianças sobre a família: um enfoque quantitativo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, vol. 26, n. 3, pp. 417-426, Jul/ Set 2010.
GOLDSMID, R.; FERES-CARNEIRO, T. A função fraterna e as vicissitudes de ter e ser um irmão. Psicol. rev., Belo Horizonte, vol.13, n.2, pp. 293-308, 2007.
OLIVEIRA, A. L. Família e irmãos. Em C. M. O. Cerveny (Org.), Família e narrativas, gênero, parentalidade, irmãos, filhos nos divórcios, genealogia, história, estrutura, violência, intervenção sistêmica, rede social (pp. 63-81). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
RABINOVICH, E. P.; MOREIRA, L. V. de C. Significados de família para crianças paulistas. Psicologia em Estudo, Maringá. v. 13, n. 3, p. 447-455, jul./set. 2008.
Imagem: Pinterest
Agnes Trama
Psicóloga (CRP 06/118164)
Especialização em Psicologia Perinatal (em formação)
Contato pelo e-mail:
agnestrama@uol.com.br
Facebook: /agnestramapsicologa
Instagram: @agnes.psicologa
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