Alvo dos excessos da publicidade que associa ao universo infantil tudo o que é colorido, alegre e barulhento, o conceito de infância e da própria criança são construções sociais bastante idealizadas. Porém, há outras camadas de significação que devem ser consideradas quando entendemos a criança como um ser pleno, em desenvolvimento constante e, principalmente, um indivíduo social, sujeito às mesmas fragilidades emocionais que qualquer adulto. Existe, sim, melancolia na infância. A questão é: como estamos lidando com ela?
Durante um bate-papo do programa Café Filosófico, as psicanalistas Julieta Jerusalinsky e Maria Rita Kehl associaram a questão das fragilidades emocionais da criança à ‘epidemia’ dos diagnósticos de quadros de distúrbios de aprendizagem e atenção, hiperatividade e até mesmo autismo e transtorno bipolar infantil.
Conforme é apontado pelas profissionais ao longo do programa, há uma tendência atual de assumir que certos comportamentos e modos de ser são consequência da ação de neurotransmissores agindo sobre o organismo e fruto da genética individual. Entretanto, isso reduz a compreensão de fenômenos profundamente complexos, que envolvem vários fatores. Quando nascemos, nossa rede neuronal não está pronta e as experiências pelas quais passamos são parte importante dessa construção. A maneira como vivemos também altera nossos registros químicos. Tanto o organismo, quanto a psique e o contexto em que estamos são aspectos que, em interação, influenciam o desenvolvimento.
Sendo assim, é importante pensar sobre o tipo de vivência que nós, enquanto adultos, temos proporcionado às crianças. De acordo com as psicanalistas, há uma tendência em poupar os pequenos de lidar com frustrações e tristezas que são naturais da vida. Isso pode acabar contribuindo para uma fragilidade emocional por parte das crianças, que ficam despreparadas para enfrentar obstáculos e limites.
Outro aspecto a se refletir é a busca dos adultos em satisfazer ilimitadamente os desejos infantis. Gratificar a criança de forma incessante e dar a ela a impressão de que pode ter tudo impede que ela encare que algumas coisas precisam ser conquistadas com muito esforço. É preciso que a criança tenha a oportunidade de vivenciar essa angústia de ter que encontrar caminhos para conseguir o que quer. Caso contrário, ela não terá desejo de crescer. Não fará escolhas, compreendendo que algo se ganha e algo se perde. Não partirá para a ação, acomodada em uma situação confortável. Ou seja, poderá paralisar-se em uma postura melancólica e desinteressada, sentindo que não há nada a fazer, pois tudo já é feito sem que ela precise agir.
Conforme ressalta Julieta Jerusalinsky, o trabalho da criança não é o mesmo dos adultos. Ela é poupada da inserção mercadológica para que possa viver um tempo de autoconstrução, de elaboração de seu lugar no mundo. Não podemos, nem devemos, poupá-la disso.
Recomendamos o vídeo completo do programa, disponibilizado abaixo. Além de aprofundar as questões que exploramos no post, ele ainda traz o ponto de vista das duas psicanalistas sobre outras questões da infância na contemporaneidade.
“Por exemplo, ouvimos pais dizerem: Bem, não sei se devo contar ao meu filho coisas sérias. Não sei se devo falar de morte, doença, ódio ou guerra “. É claro que se deve contar aos filhos tanto histórias feias quanto bonitas. Toda criança deve receber o mapa e o treinamento para penetrar as florestas claras e sombrias do mundo. Omitir que há violências, más opções e grandes paixões que subjugam a mente, e não ensinar à criança como proteger sua alma, a enfraquece.”
A afirmação é da escritora e psicanalista americana Clarissa Pinkola Estés, e está presente no livro “Contos de Grimm”. Para ela, os pais, professores e demais mediadores da relação com a criança não devem ter medo de contar a elas tanto as histórias bonitas quanto as feias, e defende que essa disposição para falar do que é ‘difícil’ tem ligação direta com a maneira que aquela criança irá encarar o mundo.
Fontes: Catraquinha e Toda Criança Pode Aprender
Imagem: Pinterest
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Sobre a autora deste blog:
Ane Caroline Janiro – Psicóloga clínica, idealizadora e editora do Psicologia Acessível.
CRP: 06/119556
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